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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O SER É EXISTÊNCIA, CONHECIMENTO E PLENITUDE


 
Os mahavākyas, as grandes
afirmações védicas, são palavras especiais que revelam, ou melhor, apontam, para
o Ser ilimitado, Brahman. A
Taittīrīya Upaniad, no Brahmavalli II:1, contém uma dessas grandes
sentenças:
Oṁ brahmavidapnoti pāram tadesabhyukta
satyam jñānānantam Brahma. Traduzindo, isto significa: "Aquele que
conhece Brahman, "alcança" o mais alto
. Então, é dito: Brahman
é existência, conhecimento e plenitude."

 
Colocamos a tradução da palavra "alcança" entre
aspas pois, para conhecer Brahman (i.e., a nós mesmos), não é necessário sair do
lugar onde estamos, pois não há ações d nenhum tipo envolvidas, como veremos
mais adiante.

 
É sabido que o objetivo do estudante dos
Vedas, assim como o objetivo do Yoga, é moka, a libertação. Isso significa a total
eliminação do sasāra. A morte do corpo físico não é o
fim do sasāra pois, após essa morte, há novos
nascimentos, mesmo que eles aconteçam noutros planos (loka).

 
Sasāra tampouco é sinônimo de estar vivo.
Estar vivo não é um obstáculo para moksa. Até mesmo os obstáculos e
dificuldades da vida não são a fonte do sofrimento, pois ela seria completamente
monótona e sem objetivo não fosse por estas superações.

 
A verdadeira causadora do sofrimento é a mente,
pois ela projeta as expectativas em relação a desejos inúteis. Essas
expectativas têm como base a ignorância em relação a quem eu sou. No entanto,
cultivando a objetividade perante a vida, bem como o entendimento da
Realidade, podemos
eliminar o saṃsāra.

 
Na frase Brahman é existência, conhecimento e
plenitude,
as palavras não qualificam nem descrevem Brahman, já que este
não é um objeto, mas indicam (lakshanam), através de pontos claros,
aquilo que deve ser conhecido.

 
A princípio, vemos Brahman como um objeto a ser
conhecido, diferente daquilo que somos. Então a primeira frase do verso se torna
clara: Aquele que conhece Brahman, "alcança" o mais
alto.
Na verdade, não me é possível “alcançar” aquilo que já sou.
Apenas reconheço o que sou. Nada mais.

 
Ilustro esta peculiar situação com uma estorinha
que me foi narrada por Swāmi Dayānanda, meu mestre: dez
meninos atravessam um rio. Um deles é o responsável pelo grupo. Ao chegarem à
outra margem, o líder conta o grupo, para ver se todos estão ali. Porém, ele só
conta nove crianças. Fica desesperado achando que um deles tinha sido arrastado
pela correnteza. Vendo seu desespero, um senhor aproxima-se e lhe pergunta pela
causa da aflição. O menino lhe explica a situação. Vendo tudo de forma clara, o
senhor lhe mostra que ele está esquecendo de contar a si mesmo.

 
Neste exemplo, constatamos que não precisou ser
criado o décimo menino: ele já estava lá. O que acontece é apenas entendimento,
compreensão. Este entendimento não é fruto de uma ação. Similarmente, o
autoconhecimento já traz embutido em si mesmo um resultado que não é diferente
dele mesmo.

 
As ações, por sua vez, precisam ser feitas. Seus
frutos são objetos diferentes delas mesmas (karma-kartaṁ-karāṇaḥ). Mas isso não
significa que as ações sejam intrinsecamente ruins, nem que devamos renunciar a
elas. Mesmo agindo, ainda há o risco de que o resultado não seja o esperado.
Consiera-se na nossa tradição, que o resultado da ação seja de quatro
tipos:

 
1.       A criação (utpati) – uma ação
pode criar uma coisa nova.
2.       Purificação (saṁskāra) – a
purificação do corpo
3.       Modificação (vikāra) – a modificação
de um objeto
4.       Alcançar alguma coisa (apti) – se mover de um
lugar para outro

 
Estes resultados são todos diferentes de
mokṣa. Há obras na nossa tradição que falam sobre as ações como formas
de se alcançar um resultado. A Kaṭha Upaniṣad, por exemplo, diz que
“pelo caminho do sol, se alcança um resultado”. Mas em nenhum lugar as Upaniṣads
dizem que este resultado seja diferente daquilo que você já é.

 
A tradição, chamada Śruti, nos fala sobre certos
rituais, que podem gerar resultados desejáveis. Mas apegar-se constantemente a
estes resultados mantém a pessoa condicionada. Ela age pelo desejo de alcançar
aquele resultado que lhe traz conforto ou prazer (artha ou
kāma
).

 
Ātma não é um lugar ou objeto a ser
alcançado, pois já está em todo lugar. Então como posso dizer: “ir para algum
lugar?”A pessoa que está indo e o lugar que ela vai, são a mesma e única coisa.
O problema é não reconhecer isto.

 
Através deste argumento entendemos que
mokṣa não é algo a ser alcançado. Mokṣa é nosso estado
natural. Porque um objeto a ser alcançado é sempre diferente de nós mesmos, ou
seja, tão limitado quanto outro objeto qualquer. Um lugar que seja para ser
alcançado por um “viajante” para onde ele está indo, deve ser diferente do
viajante. Pois senão, não há a necessidade de ir a lugar algum.

 
O papel do Veda é revelar aquilo que os nossos
sentidos e mente não podem e não conseguem perceber. Veda é o pramāṇa,
o meio de conhecimento para o Ser. O Veda aborda tanto o dvaita como o
advaita: o que é dual e o que é não-dual. Sem negar a dualidade da
nossa existência samsárica, o Veda é a autoridade que revela o não-dual.

 
O argumento das pessoas (karmatas) que
afirmam que as ações trazem libertação é que existem textos que falam sobre o
valor da ação. Como o Veda fala sobre a importância das ações rituais, eles,
equivocadamente afirmam que os jñānis
estão indo contra o Veda. Mas para os jñānis, qualquer outro eventual lugar
paradisíaco que possa ser alcançado pelo mérito das ações rituais feitas nesta
vida é apenas transitório e, portanto, não é mokṣa.

 
Estes textos que falam em gati estão
apenas focando no fruto da ação (kārya Brahman). Então os objetos
alcançados também são Brahman. Mas isto não é o fim. O Veda vai mais fundo.
Então não se pode considerar somente esta primeira etapa. A realidade é uma só,
e essa realidade é Brahman. O real é uno, apesar das diferentes manifestações.

Este é o ensinamento da Śruti. Qualquer tipo de combinação entre ação e
conhecimento é impossível porque a natureza de ambos é oposta.

 
O conhecimento é aquele que o assunto é a
dissolução total do objeto e suas diferenças. O conhecimento mostra que as
diferenças são apenas ilusórias. E em relação à ação o conhecimento se opõe. A
ação é alcançada através de alguém, ou seja, alguém faz alguma coisa para
alcançar um objetivo. Então neste caso vemos três objetos diferentes (a pessoa,
a ação e o objeto a ser alcançado).

 
Quando se fala em conhecimento não há diferença,
pois aquele que conhece, conhece a si mesmo. Todo este raciocínio vai nos levar
à conclusão de que uma das duas posturas, a dual ou a não-dual, é falsa. O dual
é o falso, pois é aparente e depende do não-dual para existir. A
dualidade é fruto da ignorância e por isso mesmo dizemos que ela é real.
Concluindo, lembremos que, na visão dos Vedas, as ações são apenas um
meio, um sādhana para antaḥkarāṇaśuddhi, a purificação do
psiquismo que, por sua vez, ainda é, apenas, uma preparação para o
autoconhecimento. Namaste!

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